sábado, 17 de dezembro de 2011

O livro que ia começar do avesso e foi por água abaixo

Não sei bem os motivos que me levaram, ou constrangeram a escolher as letras como uma das ferramentas de trabalho.

Creio que a opinião dos outros tenha tido um peso muito grande. Professores, colegas de escola, e, claro, a imparcialíssima opinião de mamãe (Oh! Como você escreve bonito, minha filha...).

Mas a verdade é que o mundo profissional também achou que eu manuseava a contento o teclado da minha poderosa Remington.

Isso foi criando em mim um pequeno e tímido sonho: ser escritora. Sozinha, depois que o mundo ia dormir - naquele tempo o mundo tinha hora para ir dormir e ia mesmo - eu tirava a tampa da minha máquina de escrever portátil (trabalhei muito para conseguir comprar!) e com todo cuidado e carinho ia escolhendo as palavras do que eu sonhava que um dia pudesse se tornar o meu livro.

Demorei muito tempo até concluir o último, ou o primeiro capítulo, já que o livro começaria pelo último capítulo.

Seria uma história contada de trás pra frente. Meu leitor saberia como terminou a vida do personagem central e depois ia descobrindo cada sonho que perdeu, os erros que cometeu, suas vitórias, como aprendeu a amar e odiar, como aquele rosto adquiriu cada ruga... tudo em ordem cronológica inversa.

Do alto dos meus 18 anos, na plenitude dos Anos Rebeldes, sentindo a liberdade pulsar em minha alma, eu queria ensinar o que nunca ninguém havia me ensinado, queria explicar o que não sabia, mas que sentia, como um animal selvagem, a quem o instinto põe em alerta contra qualquer perigo, mesmo que desconhecido.

Vai daí que eu resolvi pedir uma opinião sobre minhas escrivinhações. Mostrei o texto para minha irmã. Ela pareceu ler atentamente e ao final, me estendeu de volta minhas preciosas páginas e pontificou: "Parece Machado de Assis."

Dobrei cuidadosamente as folhas, guardei-as dentro do caderno onde escrevia meus versos, ao qual ninguém tinha acesso e ali elas dormiram muitos anos. Continuei a escrever meus versos, meus contos e minhas prosas, naquele caderno onde minha alma se abria e transformava em palavras risos e dores, sonhos e frustrações.

No começo deste século minha vida real começou a ficar muito parecida com o primeiro ou último, ou único capítulo do livro. Nele, a personagem central passava os dias sentada, com os olhos fixos na linha do horizonte esperando que o leitor fechasse o livro. Então, numa noite, as águas do Rio Jaguari Mirim envolveram silenciosamente o meu caderno e "o meu livro".

Sei que, de repente, se alguém que conhece a obra de Machado de Assis ler esta postagem vai achar que sou uma idiota arrematada, porque Machado de Assis é ótimo. Então vou fazer uso do direito de defesa antecipado.

Eu gosto de Machado de Assis, sempre gostei, mas eu era a única entre todos os meus amigos. Eu lia as obras dele porque adorava ler e quando o professor de português mandava a classe ler um livro dele, para mim era muito bom ou uma gostosa releitura, mas para a turma - de modo geral - era uma tortura.
Eu definitivamente não estava querendo entrar para o rol dos torturadores, por mais que simpatizasse com eles.

Bem, toda essa prosa tem dois motivos:

1 - Só peça a opinião dos outros depois que já tiver tomado sua própria decisão e esteja bem seguro dela.

2 - Não jogue nada nos rios, isso é errado e muito feio. É ecologicamente incorreto e os peixes não sabem ler.

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